Apresentação

"Em tempos de engano universal, dizer a verdade é um ato revolucionário" (George Orwell)







Este blog é um espaço de reflexão e troca de experiências educativas na área de Filosofia para o Ensino Médio. Os materiais aqui postados tem por objetivo subsidiar o estudo tanto de professores quanto de alunos. Os textos serão de autoria própria, ou de autores da área, ou resultado de pesquisas em obras literárias e na web.



quinta-feira, 2 de setembro de 2010

3º ANO – 3º BIMESTRE - EIXO: Religião

COMPETÊNCIAS:
  • Aplicar conhecimentos filosóficos no plano existencial, nos projetos de vida e nas relações sociais.
  • Conciliar de modo racional a dimensão da fé e da razão.
  • Compreender de modo analítico a dimensão metafísica do ser humano.

HABILIDADES:
  • Ler textos filosóficos de modo significativo;
  • mpliar gradativamente o alcance da leitura filosófica;
  • Elaborar por escrito o que foi apropriado de modo reflexivo;
  • Compreender a espiritualidade sem a alienação dogmática.

 CONTEÚDOS MÍNIMOS:
  • A religiosidade
  • O sagrado
  • A religião
  • Ritos
  • Objetos simbólicos
  • A vida após a morte
  • O bem e o mal
  • O pecado
  • O conflito entre fé e razão
SUGESTÕES
1- LIVROS:

ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Loyola, 2003. 126 p.
Da coleção PRIMEIROS PASSOS, da Editora Brasiliense (São Paulo):
• O que é religião – Rubens Alves, 1992.
• O que é morte – José Luiz de Souza Maranhão, 1992.
2- SITES:

http://www.infoescola.com/filosofia/fe-e-razao/

3- FILMES:

Cidadão Kane, 1941, Orson Welles.
Dúvida, 2008, Direção: John Patrick Shanley.
"Fanny e Alexander", de Ingmar Bergman.
Sonhos, 1941, direção de Akira Kurosawa.

4- TEXTOS:

COMPADRE DA MORTE

(João Monteiro)

Diz que era uma vez um homem que tinha tantos filhos que não achava mais quem fosse seu compadre. Nascendo mais um filhinho, saiu para procurar quem o apadrinhasse e depois de muito andar encontrou a Morte a quem convidou. A Morte aceitou e foi a madrinha da criança. Quando acabou o batizado voltaram para casa e a madrinha disse ao compadre:

- Compadre! Quero fazer um presente ao meu afilhado e penso que é melhor enriquecer o pai. Você vai ser médico de hoje em diante e nunca errará no que disser. Quando for visitar um doente me verá sempre. Se eu estiver na cabeceira do enfermo, receite até água pura que ele ficará bom. Se eu estiver nos pés, não faça nada porque é um caso perdido.

O homem assim fez. Botou aviso que era médico e ficou rico do dia para a noite porque não errava. Olhava o doente e ia logo dizendo:

- Este escapa!

Ou então:

- Tratem do caixão dele!

Quem ele tratava, ficava bom. O homem nadava em dinheiro.

Vai um dia adoeceu o filho do rei e este mandou buscar o médico, oferecendo uma riqueza pela vida do príncipe. O homem foi e viu a Morte sentada nos pés da cama. Como não queria perder a fama, resolveu enganar a comadre, e mandou que os criados virassem a cama, os pés passaram para a cabeceira e a cabeceira para os pés. A Morte, muito contrariada, foi-se embora, resmungando.

O médico estava em casa um dia quando apareceu sua comadre e o convidou para visitá-la.

- Eu vou, disse o médico - se você jurar que voltarei!

- Prometo! - disse a Morte.

Levou o homem num relâmpago até sua casa.

Tratou muito bem e mostrou a casa toda. O médico viu um salão cheio-cheio de velas acessas, de todos os tamanhos, uma já se apagando, outras viva, outras esmorecendo. Perguntou o que era:

É a vida do homem. Cada homem tem uma vela acessa. Quando a vela acaba, o homem morre.

O médico foi perguntando pela vida dos amigos e conhecidos e vendo o estado das vidas. Até que lhe palpitou perguntar pela sua. A Morte mostrou um cotoquinho no fim.

- Virgem Maria! Essa é que é a minha? Então eu estou, morre-não-morre!

A Morte disse:

- Está com horas de vida e por isso eu trouxe você para aqui como amigo, mas você me fez jurar que voltaria e eu vou levá-lo para você morrer em casa.

O médico quando deu acordo de si estava na sua cama rodeado pela família. Chamou a comadre e pediu:

- Comadre, me faça o último favor. Deixe eu rezar um Padre-Nosso. Não me leves antes. Jura?

- Juro -, prometeu a Morte.

O homem começou a rezar o Padre-Nosso que estás no céu... E calou-se. Vai a Morte e diz:

- Vamos, compadre, reze o resto da oração!

- Nem pense nisso, comadre! Você jurou que me dava tempo de rezar o Padre-Nosso mas eu não expliquei quanto tempo vai durar minha reza. Vai durar anos e anos...

A Morte foi-se embora, zangada pela sabedoria do compadre.

Anos e anos depois, o médico, velhinho e engelhado, ia passeando nas suas grandes propriedades quando reparou que os animais tinham furado a cerca e estragado o jardim, cheio de flores. O homem, bem contrariado disse:

- Só queria morrer para não ver uma miséria destas!...

Não fechou a boca e a Morte bateu em cima, carregando-o. A gente pode enganar a Morte duas vezes mas na terceira é enganado por ela.


RAZÃO

A faculdade de raciocinar, compreender, ponderar, ajuizar, etc. Os filósofos dividem-se quanto à confiança que depositam na razão. Os mais cépticos duvidam dos seus produtos; alguns, como Hume, confiam mais nas emoções e sentimentos. Outros, como Descartes ou Kant, confiam mais no poder da razão para descobrir verdades importantes. A racionalidade instrumental permite, perante fins dados, determinar os melhores meios para os atingir; por exemplo, quando tenho sede e sei que há água na cozinha, um meio de matar a sede é ir à cozinha. A racionalidade não instrumental, negada por filósofos como Hume, permite determinar os próprios fins.




Crença na existência de um Deus ou deuses. Em contextos não religiosos, a palavra refere-se unicamente a uma crença muito forte; por exemplo, quando dizemos que temos fé na recuperação de uma doença.

Dicionário Escolar de Filosofia, org. Aires Almeida (Lisboa: Plátano Editora)


O SAGRADO

O sagrado é uma experiência da presença de uma potência ou de uma força sobrenatural que habita algum ser – planta, animal, humano, coisas, ventos, água, fogo. Essa potência é tanto um poder que pertence própria e definitivamente a um determinado ser, quanto algo que ele pode possuir e perder, não ter e adquirir. O sagrado é a experiência simbólica da diferença entre os seres, da superioridade de alguns sobre outros, do poderio de alguns sobre outros, superioridade e poder sentidos como espantosos, misteriosos, desejados e temidos.

A sacralidade introduz uma ruptura entre natural e sobrenatural, mesmo que os seres sagrados sejam naturais (como a água, o fogo, o vulcão): é sobrenatural a força ou potência para realizar aquilo que os humanos julgam impossível efetuar contando apenas com as forças e capacidades humanas. Assim, por exemplo, em quase todas as culturas, um guerreiro, cuja força, destreza e invencibilidade são espantosas, é considerado habitado por uma potência sagrada. Um animal feroz, astuto, veloz e invencível também é assim considerado. Por sua forma e ação misteriosas, benévolas e malévolas, o fogo é um dos principais entes sagrados. Em regiões desérticas, a sacralização concentra-se nas águas, raras e necessárias.

O sagrado opera o encantamento do mundo, habitado por forças maravilhosas e poderes admiráveis que agem magicamente. Criam vínculos de simpatia-atração e de antipatia-repulsão entre todos os seres, agem à distância, enlaçam entes diferentes com laços secretos e eficazes.

Todas as culturas possuem vocábulos para exprimir o sagrado como força sobrenatural que habita o mundo. Assim, nas culturas da Polinésia e da Melanésia, a palavra que designa o sagrado é mana (e suas variantes). Nas culturas das tribos norte-americanas, fala-se em orenda (e suas variantes), referindo-se ao poder mágico possuído por todas as coisas, dando-lhes vida, vontade e ação, força que se pode roubar de outras coisas para si, que se pode perder quando roubada por outros seres, que se pode impor a outros mais fracos.

Entre as culturas dos índios sul-americanos, o sagrado é designado por palavras como tunpa e aigres. Nas africanas, há centenas de termos, dependendo da língua e da relação mantida com o sobrenatural, mas o termo fundamental, embora com variantes de pronúncia, é ntu, “força universal em que coincidem aquilo que é e aquilo que existe”.

Na cultura hebraica, dois termos designavam o sagrado: qados e herem, significando aqueles seres ou coisas que são separados por Deus para seu culto, serviço, sacrifício, punição, não podendo ser tocados pelo homem. Assim a Arca da Aliança, onde estavam guardados os textos sagrados, era qados e, portanto, intocável. Também os prisioneiros de uma guerra santa pertenciam a Deus, sendo declarados herem. Na cultura grega, agnos (puro) e agios (intocável), e na romana, sacer (dedicado à divindade) e sanctus (inviolável) constituem a esfera do sagrado.

Sagrado é, pois, a qualidade excepcional – boa ou má, benéfica ou maléfica, protetora ou ameaçadora – que um ser possui e que o separa e distingue de todos os outros, embora, em muitas culturas, todos os seres possuam algo sagrado, pelo que se diferenciam uns dos outros.

O sagrado pode suscitar devoção e amor, repulsa e ódio. Esses sentimentos suscitam um outro: o respeito feito de temor. Nasce, aqui, o sentimento religioso e a experiência da religião.

A religião pressupõe que, além do sentimento da diferença entre natural e sobrenatural, haja o sentimento da separação entre os humanos e o sagrado, mesmo que este habite os humanos e a Natureza.

CHAUI, Marilena. Filosofia: Ensino Médio, volume único: Livro para análise do professor: Ática, 2005. Série Brasil. Unidade 5.


A RELIGIÃO


A palavra religião vem do latim: religio, formada pelo prefixo re (outra vez, de novo) e o verbo ligare (ligar, unir, vincular). A religião é um vínculo. Quais as partes vinculadas? O mundo profano e o mundo sagrado, isto é, a Natureza (água, fogo, ar, animais, plantas, astros, metais, terra, humanos) e as divindades que habitam a Natureza ou um lugar separado da Natureza.

Nas várias culturas, essa ligação é simbolizada no momento de fundação de uma aldeia, vila ou cidade: o guia religioso traça figuras no chão (círculo, quadrado, triângulo) e repete o mesmo gesto no ar (na direção do céu, ou do mar, ou da floresta, ou do deserto). Esses dois gestos delimitam um espaço novo, sagrado (no ar) e consagrado (no solo). Nesse novo espaço ergue-se o santuário (em latim, templum, templo) e à sua volta os edifícios da nova comunidade.

Essa mesma cerimônia da ligação fundadora aparece na religião judaica, quando Jeová indica ao povo o lugar onde deve habitar – a Terra Prometida – e o espaço onde o templo deverá ser edificado, para nele ser colocada a Arca da Aliança, símbolo do vínculo que une o povo e seu Deus, recordando a primeira ligação: o arco-íris, anunciado por Deus a Noé como prova de seu laço com ele e sua descendência.

Também no cristianismo a religio é explicitada por um gesto de união. No Novo Testamento, Jesus disse a Pedro: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as Chaves do Reino: o que ligares na Terra será ligado no Céu; o que desligares na Terra será desligado no Céu”.

Através da sacralização e consagração, a religião cria a idéia de espaço sagrado. Os céus, o monte Olimpo (na Grécia), as montanhas do deserto (em Israel), templos e igrejas são santuários ou moradas dos deuses. O espaço da vida comum separa-se do espaço sagrado: neste, vivem os deuses, são feitas as cerimônias de culto, são trazidas oferendas e feitas preces com pedidos às divindades (colheita, paz, vitória na guerra, bom parto, fim de uma peste); no primeiro transcorre a vida profana dos humanos. A religião organiza o espaço e lhe dá qualidades culturais, diversas das simples qualidades naturais.

CHAUI, Marilena. Filosofia: Ensino Médio, volume único: Livro para análise do professor: Ática, 2005. Série Brasil. Unidade 5.

O QUE É A RELIGIÃO?

“Não é fácil encontrar uma definição precisa, aceite universalmente de religião. Isto deve se às grandes diferenças entre as tradições que comummente são categorizadas como religiões. Nos nossos dias, muitos filósofos da religião […] em vez de avançarem logo como uma definição restrita sobre o que consiste uma religião, preferem as vantagens em demarcar o que se entende por “religião” simplesmente apelando para muitos exemplos que a maioria das pessoas reconhece como sendo religiosos. […] Deste modo, uma caracterização habitual é a seguinte: Religiões incluem o Judaísmo, o Cristianismo, o Islão, o Hinduísmo e o Budismo e as tradições que se assemelham a uma ou a mais do que a uma [destas grandes tradições]. Através desta definição, Confucionismo, Daoísmo, Bahaísmo, Sikhismo, Zoroastrismo, espiritualidade aborígene e muitas outras tradições são facilmente vistas como religiosas. Esta caracterização da religião pode ser designada como uma definição por exemplo, embora em termos mais técnicos possa ser referida como uma definição por casos paradigmáticos. […] É bom ter consciência das suas limitações [desta definição]. […] Pois esta definição por exemplo não aprofunda o que faz estas tradições serem religiões. O mesmo problema aconteceria se alguém definisse “religião” em termos da sua raiz latina. O termo religio significa “ligar”e ao sobressair se isso visa se sublinhar a noção de que a religião unifica as pessoas ou delimita a identidade de cada pessoa. Mas não nos dá mais nada. Presumivelmente, nem tudo o que unifica as pessoas ou que define a identidade de uma pessoa é religioso. […]

Eis três propostas de definição da religião e algumas das suas dificuldades.

“Religião” pode ser definida em termos de crença ou de veneração de Deus ou deuses. Mas tal definição tem a consequência indesejável de classificar versões ateias do Budismo como não religiosas.

Alternativamente, “religião” pode ser definida em termos de reverência ou de temor, a um tal ponto que ser religioso é ter reverência e temor perante algo que se acredita ser sagrado. Mas isto interditaria a consideração de religiosos todos aqueles membros do mundo religioso que tratam a sua relação com o sagrado segundo o interesse próprio, mais do que em termos de temor ou reverência. Algumas religiões primitivas são descritas como não possuindo o temor e a reverência que caracterizam tipicamente a “veneração” e que poderiam ser também excluídos por este tipo de definição. Teríamos também de classificar como religiosos estes grupos que tratam a natureza, a sua nação, ou ainda os seus egos como sagrados e merecedores de temor e reverência. […]

Na obra Reason and Religious Belief: An Introductionto the Philosophy of Religion, é nos proposta como definição de trabalho o seguinte: “A Religião é constituída por um conjunto de crenças, acções e emoções, ambas pessoais ou colectivas, organizadas em torno do conceito de uma Realidade Última” (Petterson et al., 1991, p.4). Esta definição parece ser satisfeita pelas formas tradicionais das cinco religiões mundiais esboçadas em cima, mas se é apresentada como uma condição suficiente sobre o que é a “religião”, torna se arriscado. Por exemplo, pode se argumentar que também a grande maioria da comunidade científica possui um conjunto de crenças, acções e emoções – sejam estas o amor da descoberta, da verdade e da investigação, o desejo de fazer certas predições, assim como outras ¬ - centradas em volta do conceito de uma realidade última (o cosmos). Mas só por isso seria um exagero considerar a comunidade científica como uma religião. Poder se ia tentar evitar classificar a comunidade científica como uma religião precisando o conceito de “Realidade Última” de modo a que se referisse a algo para lá do mundo físico. Os cientistas centrar se-iam no mundo físico, enquanto os crentes religiosos no que é não físico. Contudo, isto teria a consequência indesejada de excluir muitas versões de politeísmo, o Mormonismo (o nome popular para o movimento cristão do século dezanove, a “igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias Santos”) e outras religiões que constroem o divino em termos físicos.”



CHARLES,Taliaferro, Contemporary Philosophy of Religion, Oxford/Malden, Oxford University Press, 1998, pp.21-23.


RITOS

Porque a religião liga humanos e divindade, porque organiza o espaço e o tempo, os seres humanos precisam garantir que a ligação e a organização se mantenham e sejam sempre propícias. Para isso são criados os ritos.

O rito é uma cerimônia em que gestos determinados, palavras determinadas, objetos determinados, pessoas determinadas e emoções determinadas adquirem o poder misterioso de presentificar o laço entre os humanos e a divindade. Para agradecer dons e benefícios, para suplicar novos dons e benefícios, para lembrar a bondade dos deuses ou para exorcizar sua cólera, caso os humanos tenham transgredido as leis sagradas, as cerimônias ritualísticas são de grande variedade.

No entanto, uma vez fixada a simbologia de um ritual, sua eficácia dependerá da repetição minuciosa e perfeita do rito, tal como foi praticado na primeira vez, porque nela os próprios deuses orientaram gestos e palavras dos humanos. Um rito religioso é repetitivo em dois sentidos principais: a cerimônia deve repetir um acontecimento essencial da história sagrada (por exemplo, no cristianismo, a eucaristia ou a comunhão, que repete a Santa Ceia); e, em segundo lugar, atos, gestos, palavras, objetos devem ser sempre os mesmos, porque foram, na primeira vez, consagrados pelo próprio deus. O rito é a rememoração perene do que aconteceu numa primeira vez e que volta a acontecer, graças ao ritual que abole a distância entre o passado e o presente.

CHAUI, Marilena. Filosofia: Ensino Médio, volume único: Livro para análise do professor: Ática, 2005. Série Brasil. Unidade 5.


OS OBJETOS SIMBÓLICOS

A religião não sacraliza apenas o espaço e o tempo, mas também seres e objetos do mundo, que se tornam símbolos de algum fato religioso.

Os seres e objetos simbólicos são retirados de seu lugar costumeiro, assumindo um sentido novo para toda a comunidade – protetor, perseguidor, benfeitor, ameaçador. Sobre esse ser ou objeto recai a noção de tabu (palavra polinésia que significa intocável): é um interdito, ou seja, não pode ser tocado nem manipulado por ninguém que não esteja religiosamente autorizado para isso.

É assim, por exemplo, que certos animais se tornam sagrados ou tabus, como a vaca na Índia, o cordeiro perfeito consagrado para o sacrifício da páscoa judaica, o tucano para a nação tucana, do Brasil. É assim, por exemplo, que certos objetos se tornam sagrados ou tabus, como o pão e o vinho consagrados pelo padre cristão, durante o ritual da missa. Do mesmo modo, em inúmeras religiões, as virgens primogênitas das principais famílias se tornam tabus, como as vestais, na Roma antiga. Também objetos se tornam símbolos sagrados intocáveis, como os pergaminhos judaicos contendo os textos sagrados antigos, certas pedras usadas pelos chefes religiosos africanos, etc.

Os tabus se referem ou a objetos e seres puros ou purificados para os deuses, ou a objetos e seres impuros, que devem permanecer afastados dos deuses e dos humanos. É assim que, em inúmeras culturas, a mulher menstruada é tabu (está impura) e, no judaísmo e no islamismo, a carne de porco é tabu (é impura).

A religião tende a ampliar o campo simbólico, mesmo que não transforme todos os seres e objetos em tabus ou intocáveis. Ela o faz, vinculando seres e qualidades à personalidade de um deus. Assim, por exemplo, em muitas religiões, como as africanas, cada divindade é protetora de um astro, uma cor, um animal, uma pedra e um metal preciosos, um objeto santo.

A figuração do sagrado se faz por emblemas: assim, por exemplo, o emblema da deusa Fortuna era uma roda, uma vela enfunada e uma cornucópia; o da deusa Atena, o capacete e a espada; o de Hermes, a serpente e as botas aladas; o de Oxossi, as sete flechas espalhadas pelo corpo; o de Iemanjá, o vestido branco, as águas do mar e os cabelos ao vento; o de Jesus, a cruz, a coroa de espinhos, o corpo glorioso em ascensão.

CHAUI, Marilena. Filosofia: Ensino Médio, volume único: Livro para análise do professor: Ática, 2005. Série Brasil. Unidade 5.

A VIDA APÓS A MORTE

Toda religião explica não só a origem da ordem do mundo natural, mas também do mundo humano. No caso dos humanos, a religião precisa explicar por que são mortais. O mistério da morte é sempre explicado como expiação de uma culpa original, cometida contra os deuses. No princípio, os homens eram imortais e viviam na companhia dos deuses; a seguir, uma transgressão imperdoável tem lugar e, com ela, a grande punição: a mortalidade.

No entanto, a imortalidade não está totalmente perdida. Algumas religiões afirmam que o corpo humano possui um duplo, feito de outra matéria, que permanecerá após a morte, usando outros seres para relacionar-se com os vivos. Certas religiões acreditam que o corpo é habitado por uma entidade – espírito, alma, sombra imaterial, sopro -, que será imortal se os decretos divinos e os rituais tiverem sido respeitados pelo fiel. Por acreditarem firmemente numa outra vida – que pode ser imediata, após a morte do corpo, ou pode exigir reencarnações purificadoras até alçar-se à imortalidade -, as religiões possuem ritos funerários, encarregados de preparar e garantir a entrada do morto na outra vida.

Em algumas religiões, como na egípcia e na grega, a perfeita preservação do corpo morto, isto é, de sua imagem, era essencial para que fosse reconhecido pelos deuses no reino dos mortos e recebesse a imortalidade. Por isso, além dos ritos funerários, os cemitérios, na maioria das religiões e particularmente nas africanas, indígenas e antigas ocidentais, eram lugares sagrados, campos santos, nos quais somente alguns, e sob certas condições, podiam penetrar.

Nas religiões do encantamento, como a grega, as africanas e as indígenas, a morte é concebida de diversas maneiras, mas em todas elas o morto fica encantado, isto é, torna-se algo mágico. Numa delas, o morto deixa seu corpo para entrar num outro e permanecer no mundo, sob formas variadas; ou deixa seu corpo e seu espírito permanecer no mundo, agitando os ventos, as águas, o fogo, ensinando canto aos pássaros, protegendo as crianças, ensinando os mais velhos, escondendo e achando coisas. Na outra, o morto tem sua imagem ou seu espírito levado ao mundo divino, ali desfrutando das delícias de uma vida perenemente perfeita e bela; se, porém, suas faltas terrenas forem tantas e tais que não pôde ser perdoado, sua imagem ou espírito vagará eternamente pelas trevas, sem repouso e sem descanso.

O mesmo lhe acontecerá se os rituais fúnebres não puderem ser realizados ou se tiverem sido realizados com falhas. Esse perambular pelas trevas não existe nas religiões de reencarnação, porque, em lugar dessa punição, o espírito deverá ter tantas vidas e sob tantas formas quantas necessárias à sua purificação, até que possa participar da felicidade perene.

Nas religiões da salvação, como é o caso do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, a felicidade perene não é apenas individual, mas também coletiva. São religiões em que a divindade promete perdoar a falta originária, enviando um salvador, que, sacrificando-se pelos humanos, garante-lhes a imortalidade e a reconciliação com Deus.

Como a falta ou queda originária atingiu a todos os humanos, o perdão divino e a redenção decorrem de uma decisão divina, que deverá atingir a todos os humanos, se acreditarem e respeitarem a lei divina escrita nos textos sagrados e se guardarem a esperança na promessa de salvação que lhes foi feita por Deus. Nesse tipo de religião, a obra de salvação é realizada por um enviado de Deus – messias, em hebraico; cristo, em grego. As religiões da salvação são messiânicas e coletivas. Um povo – povo de Deus – será salvo pela lei e pelo enviado divino.

CHAUI, Marilena. Filosofia: Ensino Médio, volume único: Livro para análise do professor: Ática, 2005. Série Brasil. Unidade 5.

O BEM E O MAL

As religiões ordenam a realidade segundo dois princípios fundamentais: o bem e o mal (ou a luz e a treva, o puro e o impuro).

Sob esse aspecto, há três tipos de religiões: as politeístas, em que há inúmeros deuses, alguns bons, outros maus, ou até mesmo cada deus podendo ser ora bom, ora mau; as dualistas, nas quais a dualidade do bem e do mal está encarnada e figurada em duas divindades antagônicas que não cessam de combater-se; e as monoteístas, em que o mesmo deus é tanto bom quanto mau, ou, como no caso do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, a divindade é o bem e o mal provém de entidades demoníacas, inferiores à divindade e em luta contra ela.

No caso do politeísmo e do dualismo, a divisão bem-mal não é problemática, assim como não o é nas religiões monoteístas que não exigem da divindade comportamentos sempre bons, uniformes e homogêneos, pois a ação do deus é insondável e incompreensível. O problema, porém, existe no monoteísmo judaico-cristão e islâmico.

Com efeito, a divindade judaico-cristã e islâmica é definida teologicamente como um ser positivo ou afirmativo: Deus é bom, justo, misericordioso, clemente, criador único de todas as coisas, onipotente e onisciente, mas, sobretudo, eterno e infinito. Deus é o ser perfeito por excelência, é o próprio bem e este é eterno como Ele. Se o bem é eterno e infinito, como surgiu sua negação, o mal? Que positividade poderia ter o mal, se, no princípio, havia somente Deus, eterna e infinitamente bom? Admitir um princípio eterno e infinito para o mal seria admitir dois deuses, incorrendo no primeiro e mais grave dos pecados, pois tanto os Dez Mandamentos quanto o Credo cristão afirmam haver um só e único Deus.

Além disso, Deus criou todas as coisas do nada; tudo o que existe é, portanto, obra de Deus. Se o mal existe, seria obra de Deus? Porém, Deus sendo o próprio bem, poderia criar o mal? Como o perfeito criaria o imperfeito? Qual é, pois, a origem do mal? A criatura.

Deus criou inteligências imateriais perfeitas, os anjos. Dentre eles, surgem alguns que aspiram a ter o mesmo poder e o mesmo saber que a divindade, lutando contra ela. Menos poderosos e menos sábios, são vencidos e expulsos da presença divina. Não reconhecem, porém, a derrota. Formam um reino separado, de caos e trevas, prosseguem na luta contra o Criador. Que vitória maior teriam senão corromper a mais alta das criaturas após os anjos, isto é, o homem? Valendo-se da liberdade dada ao homem, os anjos do mal corrompem a criatura humana e, com esta, o mal entra no mundo.

O mal é o pecado, isto é, a transgressão da lei divina que o primeiro homem e a primeira mulher praticaram. Sua punição foi o surgimento dos outros males: morte, doença, dor, fome, sede, frio, tristeza, ódio, ambição, luxúria, gula, preguiça, avareza. Pelo mal, a criatura afasta-se de Deus, perde a presença divina e a bondade original que possuía.

O mal, portanto, não é uma força positiva de mesma realidade que o bem, mas é pura ausência do bem, pura privação do bem, negatividade, fraqueza. Assim como a treva não é algo positivo, mas simples ausência da luz, assim também o mal é pura ausência do bem. Há um só Deus e o mal é estar longe e privado dele, pois Ele é o bem e o único bem.

CHAUI, Marilena. Filosofia: Ensino Médio, volume único: Livro para análise do professor: Ática, 2005. Série Brasil. Unidade 5.

O PECADO

Há religiões da exterioridade e da interioridade. As religiões da exterioridade são aquelas em que os deuses possuem forma visível (humana, aniaml, vegetal ou mineral) e se

Nas religiões da exterioridade o pecado é uma ação externa visível cometida voluntaria ou involuntariamente contra a divindade ou pela violação de suas leis (budista, hindu, chinês, gregos, celtas etc). Nessas religiões devem ser feitos rituais para se redimir da falta cometida.

Nas religiões de interioridade, a intenção de cometer a falta já é um pecado. Nessas religiões não bastam os rituais, o pecador deve se arrepender do pecado cometido.

Segundo a Bíblia, a causa dos pecados encontra-se de uma maneira definitiva no pecado de Adão e Eva, com as suas conseqüências, transmitidas à posteridade. A este fato se chama a Queda. Basta dizer-se aqui, que, por mais baixo que estivesse o primeiro homem na escala da humanidade, se ele era homem devia ter tido, na verdade, algum conhecimento rudimentar do bem e do mal, e depois da sua primeira voluntária desobediência ao que lhe dizia a consciência, devia ter ficado numa situação moral inferior à dos tempos passados. A primeira transgressão feita com conhecimento do mal não pôde deixar de ser uma queda mora, por maior que fosse a sua sabedoria adquirida no caminho da vida. Além disso, há razão para acreditar que as crianças, nascidas após a queda, haviam certamente de participar da natureza dos seus pais, a ponto de ficarem mais fracas com respeito à moralidade do que não tendo os seus pais transgredido.

CHAUI, Marilena. Filosofia: Ensino Médio, volume único: Livro para análise do professor: Ática, 2005. Série Brasil. Unidade 5.

O CONFLITO ENTRE FÉ E RAZÃO

Ao provocar a ruptura entre logos e mythos, a cultura ocidental gerou um acontecimento desconhecido em outras culturas: o conflito entre a fé e a razão. Pois para a alma religiosa, há um Deus; já para a razão, é preciso provar a existência da divindade. Para o religioso Deus é um ser prefeito, bom e misericordioso, no entanto justo, punindo os maus e recompensando os bons. Para a razão, Deus é uma substância infinita, mas é preciso provar que sua essência é constituída por um intelecto onisciente e uma vontade onipotente.

A espiritualidade divina para o crente, não é incompatível com a presença de poder ver Deus atuar materialmente sobre o mundo, realizando milagres. Já para a razão, é preciso provar racionalmente que é possível uma ação do espírito sobre a matéria e por que, sendo Deus onisciente, realizando milagres suspenderia a ordenação necessária do mundo que Ele próprio estabeleceu.

A peculiaridade racional da cultura ocidental afetou a própria religião. Para competir com a razão e suplantá-la, a religião precisou oferecer-se na forma de provas racionais, teses, conceitos, teorias. Tornou-se teologia, ciência sobre Deus. Transformou os textos da história sagrada em doutrina, coisa que nenhuma outra religião fez. Apesar de todas as transformações que a religião passou, há coisas que jamais serão comprovadas racionalmente, o que irá gerar questionamento sempre.

A Filosofia e a ciência acusam a religião de dogmatismo, atraso, superstição e intolerância, enquanto a religião acusa a razão e a ciência de ateísmo e heresia.

(Eliene Percília / Equipe Brasil Escola)

2º ANO – 3º BIMESTRE - EIXO: Ideologia

COMPETÊNCIAS:
  • Aplicar conhecimentos filosóficos no plano existencial, nos projetos de vida e nas relações sociais;
  • Compreender e utilizar a ideologia como recurso social e existencial, sem permitir sua sobreposição sobre a visão de mundo autêntica.
HABILIDADES:
  • Ler textos filosóficos de modo significativo;
  • Ampliar gradativamente o alcance da leitura filosófica;
  • Elaborar por escrito o que foi apropriado de modo reflexivo;
  • Interpretar os discursos orais e escritos identificando os indícios ideológicos.
  • Compreender os efeitos da ideologia sobre a pessoa e sobre a sociedade.
CONTEÚDOS MÍNIMOS:
  • O que é ideologia
  • A lógica da ideologia
  • Como se constrói as ideologias
  • A generalização do particular
  • O discurso ideológico
  • Inversão da realidade
  • A dominação pela ideologia
  • Essência e aparência
SUGESTÕES
1- LIVROS:

CARMO, Paulo Sérgio do. A ideologia do trabalho. São Paulo: Moderna, 1992.
CHAUI, M. O que é ideologia do trabalho. São Paulo: Moderna, 1992.
CYRINO, Hélio. Ideologia hoje. Campinas: Papirus, 1986.
FARIA, Ana Lúcia G. de. Ideologia no livro didático. 10.ed. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1991.
GARCIA, Nelson Jahr. O que é propaganda ideológica. 6. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. (Primeiros Passos, 77).
MARCONES FILLHO, Ciro. Ideologia. 7. Ed. São Paulo: Global, 1991.
MARTINEZ,P.A teoria das elites. São Paulo: Scipione, 1997.
VALLADARES,E.,BERBEL,M.Revoluções do século XX. São Paulo: Scipione, 1994.
MARX, Karl, ENGELS, F. A ideologia alemã. Trad. José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira. 6ª ed. São Paulo: Hucitec, 1987.

2- FILMES:


A Grande Ilusão, 1973, dirigido por Jean Renoir
Sonhos, 1989, direção de Akira Kurosawa
Sicko, de Michael Moore.
Wittgenstein, 1993, Direção: Derek Jarman

3- SITES:
http://www.brasilescola.com/


4- TEXTOS

IDEOLOGIA

Difícil encontrar na ciência social um conceito tão complexo, tão cheio de significados, quando ao conceito de ideologia. Nele se dá uma acumulação fantástica de contradições, de paradoxos, de arbitrariedades, de ambiguidades, de equívocos e de mal-entendidos, o que torna exatamente difícil encontrar o seu caminho nesse labirinto.

O conceito de ideologia vem de Marx: ele simplesmente o retomou. Ele foi literalmente inventado (no pleno sentido da palavra: inventar, tirar de cabeça, do nada) por um filósofo francês conhecido, Destutt deTracy, discípulo de terceira categoria dos enciclopedistas, que publicou em 1801 um livro chamado Elements d'Ideologie. É um vasto tratado que, hoje em dia, ninguém tem paciência de ler. Para se ter uma idéia do pouco interesse que representa esse livro, basta dizer que, para ele, ideologia é um sub-capítuio da zoologia. A ideologia, segundo Destutt de Tracy, é o estudo científico das idéias e as idéias são o resultado da interaçao entre o organismo vivo e a natureza, o meio ambiente. É portanto, um sub-capítulo da zoologia – que estuda o comportamento dos organismos vivos - no que se refere ao estudo do relacionamento dos organismo vivos com o meio ambiente, onde trata da questão dos sentidos, da percepção sensórial, através da qual se chegaria as idéias. É por esse caminho que segue a análise, de um cientificismo materialista vulgar, bastante estrito, que caracteriza essa obra de Destutt de Tracy.

Alguns anos mais tarde, em 1812, Destutt e seu grupo, discípulos de todos do enciclopedismo francês, entraram em conflito com Napoleão que, em um discurso em que atacava Destutt de Tracy e seus amigos, os chamou de ideólogos. No entanto, para Napoleão, essa palavra já tem um sentido diferente; os ideólogos são metafísicos, que fazem abstraçâo da realidade, que vivem em um mundo especulativo.

Deste modo, paradoxalmente, Destutt e seus amigos, que queriam fazer uma análise científica materialista das ideologias, fora, chamados de ideólogos por Napoleão, no sentido de especuladores metafísicos e, como Napoleão tinha mais peso, digamos, ideológico, que eles, foi a sua maneira de utilizar o termo que teve sucesso na época e que entrou para o linguajar corrente.

Quando Marx, na primeira metade do século XIX, encontra o termo em jornais, revistas e debates, ele estásendo utilizado em seu sentido napoleônico, isto é, considerando ideólogos aqueles metafísicos
especuladores, que ignoram a realidade. É nesse sentido que Marx vai utilizá-lo a partir de 1846 em seu livro chamado A Ideologia Alemã.

É esse o caminho tortuoso do termo: começa com um sentido atribuído por Destutt, que depois é modificado por Napoleão e, em seguida, é retomado por Marx que, por sua vez, lhe da um outro sentido. Em A Ideologia Alemã, o conceito de ideologia aparece como equivalente à ilusão, falsa consciência, concepção idealista na qual a realidade é invertida e as idéias aparecem como motor da vida real. Mais tarde Marx amplia o conceito e fala das formas ideológicas através das quais os indivíduos tomam consciência da vida real, ou melhor, a sociedade toma consciência da vida real. Ele as enumera como sendo a religião, a filosofia, a moral, o direito, as doutrinas políticas, etc.

Para Marx, claramente, ideologia é um conceito pejorativo, um conceito crítico que implica ilusão, ou se refere a consciência deformada da realidade que se dá através da ideologia dominante: as idéias das classes dominantes são as ideologias dominantes na sociedade.

Mas o conceito de ideologia continua sua trajetória no marxismo posterior a Marx, sobretudo na obra de Lênin, onde ganha um outro sentido, bastante diferente: a ideologia como qualquer concepção da realidade social ou política, vinculada aos interesses de certas classes sociais.

Para Lênin, existe uma ideologia burguesa e uma ideologia proletária. Aparece, então, a utilização do termo no movimento comunista, que fala de luta ideológica, de trabalho ideológico, de reforço ideológico, etc. Ideologia deixa de ter o sentido crítico, pejorativo, negativo, que tem em Marx, e passa a designar simplesmente qualquer doutrina sobre a realidade social que tenha vinculo com uma posição de classe. Assim a palavra vai mudando de sentido, não só quando passa de uma corrente para outras, mas também no seio de uma mesma corrente de idéias: o marxismo. Há uma mudança considerável de significado entre, por exemplo. Marx e Lênin.

Finalmente, há uma tentativa sociológica de por um pouco de ordem nessa confusão. Essa tentativa é realizada pelo famoso sociólogo KarI Mannheim em seu livro Ideologia e Utopia, onde procura distinguir os conceitos de ideologia e de utopia. Para ele, ideologia é um conjunto das concepções, idéias, representações, teorias, que se orientam para a estabilização, ou legitimação, ou reprodução, da ordem estabelecida. São todas aquelas doutrinas que tem um certo caráter conservador no sentido amplo da palavra, isto é, consciente ou inconsciente, voluntária ou involuntariamente, servem a manutenção da ordem estabelecida, utopias, ao contrário, são aquelas idéias, representações e teorias que aspiram outra realidade, uma realidade ainda inexistente. Tem, portanto, uma dimensão crítica ou de negação da ordem social existente e se orienta para sua ruptura. Deste modo, as utopias tem uma função subversiva, uma função crítica e, em alguns casos, uma função revolucionaria.

Percebe-se imediatamente que ideologia e utopia são duas formas de um mesmo fenômeno, que se manifesta de duas maneiras distintas. Esse fenômeno é a existência de um conjunto estrutural e orgânico de idéias, de representações, teorias e doutrinas, que são expressões de interesse sociais vinculados às posições sociais de grupos ou classes, podendo ser, segundo o caso, ideológico ou utópico. http://www.portalimpacto.com.br/


A LÓGICA DA IDEOLOGIA

Ideologia é um conjunto de idéias e representações articuladas coerentemente sobre as coisas, capaz de provocar ação. Tem origem nas relações históricas de produção material e seu objetivo é justificar a ordem social estabelecida.

Ao desvendar as artimanhas da ideologia, compreendemos o fenômeno de adaptação diárias dos trabalhadores ao processo de produção nas empresas, por exemplo. Frases incorporadas à cultura do povo – “O trabalho é necessário”, “ O trabalhador é preguiçoso”; Todos ganham com trabalho”; Quem não trabalha não come”; “O trabalho engrandece o homem” – afetam a prática e a dimensão simbólica e, portanto, a idéia de trabalho em nossa sociedade. Esse conteúdo ideológico resulta em controle do processo de trabalho: operações de vigilância sobre o trabalhador, sua produtividade, seu ritmo, e até sobre suas necessidades primárias. Quando o trabalho não proporciona uma vida digna ao trabalhador, vale perguntar: qual trabalho engrandece o homem?

O que induz os homens a aceitar essa realidade e submeter-se à sua dinâmica, fazendo-os parecer mais objetos que sujeitos das atividades? O que leva o cidadão brasileiro a não demonstrar sua revolta, quando o equivalente a milhões e milhões de dólares é subtraído dos cofres públicos e utilizado para atender a interesses e caprichos particulares?

Há uma resposta que dá fundamento a essa indagação e indignação: a ideologia – um não saber, fruto da falta de informações completas e verdadeiras, que nos leva a identificar o social com uma realidade pasteurizada, livre da dominação, dos conflitos e das contradições.

Essa á a lógica da ideologia: ambígua e contraditória. Se, por um lado, ela escamoteia a realidade dos fatos, por outro, pode, também, revelar as armadilhas da dominação social. A ideologia não se impõe de modo absoluto, pois em seu movimento ela provoca a nossa capacidade de crítica e conhecimento.

É preciso aprender a linguagem da ideologia e aprender a sua lógica. O fenômeno dos “caras-pintadas” nos proporcionou essa chance, ainda que tenha sido manipulado pelos meios de comunicação de massa e o seu símbolo, apropriado pelos políticos profissionais. Os “caras-pintadas” foram um lampejo de consciência política na história recente do Brasil. Num lance, as passeatas de 1992 relataram um lado escondido da realidade: a faixa presidencial caíra no chão e “o rei estava nu”. Hoje os “caras-pintadas” desapareceram como a fugacidade do próprio movimento que os tornou públicos. Certamente concluíram a educação básica e devem estar cursando a universidade e disputando vagas no mercado de trabalho brasileiro. No Brasil de hoje, que outros motivos poderiam desencadear processos sociais capazes de desmascarar outras faces encobertas da ideologia?

A ideologia reúne idéia e prática em uma lógica dissimuladora. Para enfrentá-la, é preciso desenvolver o espírito crítico

Como nasce a ideologia?

  • uma estória para começar... Samir blahoud
Numa certa tribo primitiva da Austrália, o ritual de passagem da infância para a vida adulta era cercado de crueldades, para provar a força, resistência e coragem dos jovens. Entre outras coisas, o jovem era fechado numa cabana, junto a um enxame de furiosas abelhas. O jovem deveria suportar todas as ferroadas sem soltar um ai. Depois ele deveria enfrentar feras no mato com instrumentos precários de autodefesa...Enfim, somente após um ritual de atrocidades é que ele poderia ser considerado membro adulto da tribo, com todos os privilégios reservados apenas aos guerreiros.

Só os filhos dos chefes religiosos da tribo, que presidiam tais rituais, é que estavam isentos dessas práticas, porque só pelo fato de serem de descendência sagrada, eles já partilhavam da força dos deuses, o que os habilitava para posições privilegiadas. Foram os próprios deuses que, no princípio, assim estabeleceram as coisas!

Nem é preciso dizer, que num passado muito distante, foram os religiosos que criaram e regulamentaram os rituais de passagem.

A ideologia é um conhecimento deformado e falseado da realidade que beneficia um grupo em detrimento de outro. Quem tem mais poder na sociedade, tem mais possibilidade de impor sua ideologia. Porque tem um pensamento mais elaborado e tem à sua disposição melhores meios para difundi-la. Os membros sagrados da tribo, devido sua posição privilegiada tinham maiores condições de impor sua cosmovisão a todo o grupo. Afinal, seu papel é altamente legitimado pela crença generalizada no seu poder sobrenatural. O fenômeno ideológico é um produto necessário do fenômeno da desigualdade social.

A desigualdade é um fenômeno de poder e esse poder precisa legitimar-se.

Precisam, portanto, justificar a necessidade da permanência da realidade como ela é, mantendo um quadro de idéias para convencer os outros disso.

A ideologia é a justificação das posições sociais. Nesse sentido, a ideologia conta com a participação e colaboração da filosofia, da literatura, das ciências, do direito etc. A realidade é transformada em mito e o dominado crê no mito. Conscientizar é desmitificar.

A ideologia usa a ciência:

Há uma “atitude ideológica”, quando um cientista, um jurista ou um meio de comunicação são utilizados para falsificar a realidade. Nesse sentido, nem a ciência nem o direito são neutros. É impossível existir neutralidade em questões sociais.

No século XVII, os “cientistas” da Igreja tinham que acreditar e ensinar que a Terra era o Centro do Universo (teoria geocêntrica), pois assim faziam supor as Sagradas Escrituras, interpretadas pelos Santos Padres e pela Hierarquia da Igreja. Mesmo tendo apontado o telescópio para os céus e comprovado que o Sol era o centro do nosso sistema, Galileu foi obrigado a abjurar, em 1633, para não ser queimado vivo, como acontecera com Giordano Bruno, em 1600. Galileu ficou em prisão domiciliar até o final da vida. Só em 1992 a Igreja reconheceu publicamente que Galileu estava certo.

Principalmente em Estados Totalitários, a ciência é muito usada para fins de justificação do regime. Por isso há controle e censura à produção científica. Hitler, por exemplo, queria provar, cientificamente, a superioridade da raça ariana sobre todas as outras raças. Faziam-se experiências, inclusive com seres humanos. Uma ditadura pode usar “explicações científicas” para provar a necessidade e a oportunidade de se construir uma Usina Nuclear em Angra dos Reis, ou uma Rodovia Transamazônica. Recorrer à ciência, às estatísticas, dá uma maior importância, uma aparência de certeza da verdade, ao fato em discussão.

Até os dominados "defendem" a ideologia dominante:

- Foi Deus quem quis assim. Quando ele quiser, ele manda chuva para nós. Não podemos reclamar, não.

Uma pobre mulher nordestina dizia isso em junho de 2001.

- Minha senhora, não foi Deus, não! O dinheiro que já foi enviado para a SUDENE daria para ter inundado o Sertão. O Sertão poderia ter virado mar... Grande parte da culpa é dos corruptos que ficam com nosso suado dinheirinho... que, juntado, dá um dinheirão!

Ideologia é um termo que possui diferentes significados e duas concepções: a neutra e a crítica. No senso comum o termo ideologia é sinônimo ao termo ideário (em português), contendo o sentido neutro de conjunto de ideias, de pensamentos, de doutrinas ou de visões de mundo de um indivíduo ou de um grupo, orientado para suas ações sociais e, principalmente, políticas. Para autores que utilizam o termo sob uma concepção crítica, ideologia pode ser considerado um instrumento de dominação que age por meio de convencimento (persuasão ou dissuasão, mas não por meio da força física) de forma prescritiva, alienando a consciência humana.

O discurso tem uma dimensão ideológica que relaciona as marcas deixadas no texto com as suas condições de produção, e que se insere na formação ideológica. E essa dimensão ideológica do discurso pode tanto transformar quanto reproduzir as relações de dominação. Para Marx, essa dominação se dá pelas relações de produção que se estabelecem, e as classes que estas relações criam numa sociedade. Por isso, a ideologia cria uma "falsa consciência" sobre a realidade que tem como objetivo suprir, morder, reforçar e perpetuar essa dominação. Já para Gramsci, a ideologia não é enganosa ou negativa em si, mas constitui qualquer ideário de um grupo de indivíduos; em outras palavras, poder-se-ia dizer que Gramsci rejeita a concepção crítica e adere à concepção neutra de ideologia. Para Althusser, que recupera a ótica marxista, a ideologia é materializada nas práticas das instituições, e o discurso, como prática social, seria então “ideologia materializada”. http://pt.wikipedia.org/wiki/Ideologia

NADA COMO A INSTRUÇÃO

O senhor não me arranja um trocado? Perguntou o esfarrapado garoto com um olhar súplice. Outro daria o dinheiro ou seguiria adiante. Não ele. Não perderia aquela oportunidade de ensinar a um indigente uma lição preciosa:

- Não, jovem – respondeu -, não vou lhe dar dinheiro. Vou lhe transmitir um ensinamento. Olhe para você, olhe para mim. Você é pobre, você anda descalço, você decerto não tem o que comer. Eu estou bem vestido, moro bem, como bem. Você deve estar achando que isso é obra do destino.

Pois não é. Sabe qual é a diferença entre nós, filho? O estudo. As estatísticas estão aí: Pobre estuda cinco anos menos do que o rico.

O menino o olhava assombrado. Ele continuou:

- Pessoas como eu estudaram mais do que as pessoas de sua gente. Em média, cinco anos mais. Ou seja: passamos cinco anos a mais em cima dos livros. Cinco anos sem nos divertir, cinco anos queimando pestanas, cinco anos sofrendo na véspera dos exames. E sabe por quê, filho? Porque queríamos aprender. Aprender coisas como o teorema de Pitágoras. Você sabe o que é o teorema de Pitágoras? Não, seguramente você não sabe o que é o teorema de Pitágoras, Se você soubesse, eu não só lhe daria um trocado, eu lhe daria muito dinheiro, como homenagem a seu conhecimento. Mas você não sabe o que é o teorema de Pitágoras, sabe?

- Não- disse o menino. E virando as costas foi embora.

Com o que ele ficou muito ofendido. O rapaz simplesmente não queria saber nada acerca do teorema de Pitágoras. Aliás- como era mesmo, o tal teorema? Era algo como o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. Ou: o quadrado do cateto é igual à soma dos quadrados da hipotenusa. Ou ainda, a hipotenusa dos quadrados é a soma dos catetos quadrados. Enfim, algo que só aqueles que têm cinco anos a mais de estudo conhecem.


SE OS TUBARÕES FOSSEM HOMENS

(por Bertold Brecht)

Se os tubarões fossem homens, perguntou a filha de sua senhoria ao senhor K., seriam eles mais amáveis para com os peixinhos?

Certamente, respondeu o Sr. K. Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal quanto vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca e adaptariam todas as medidas sanitárias adequadas. Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, ser-lhe-ia imediatamente aplicado um curativo para que não morresse antes do tempo.

Para que os peixinhos não ficassem melancólicos haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres têm melhor sabor do que os tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas os peixinhos aprenderiam como nadar alegremente em direção à goela dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar.

O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que este futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam rejeitar toda tendência baixa, materialista, egoísta e marxista, e denunciar imediatamente aos tubarões aqueles que apresentassem tais tendências.

Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, proclamariam, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não se podem entender entre si. Cada peixinho que matasse alguns outros na guerra, os inimigos que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de sargaço e receberia uma comenda de herói.

Se os tubarões fossem homens também haveria arte entre eles, naturalmente. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores magníficas, e as suas goelas como jardins onde se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos a nadarem com entusiasmo rumo às gargantas dos tubarões. E a música seria tão bela que, sob os seus acordes, todos os peixinhos, como orquestra afinada, a sonhar, embalados nos pensamentos mais sublimes, precipitar-se-iam nas goelas dos tubarões.

Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa no paraíso, ou seja, na barriga dos tubarões.

Se os tubarões fossem homens também acabaria a idéia de que todos os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores até poderiam comer os menores. Isso seria agradável para os tubarões, pois eles, mais frequentemente, teriam bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores detentores de cargos, cuidariam da ordem interna entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, polícias, construtores de gaiolas, etc.

Em suma, se os tubarões fossem homens haveria uma civilização no mar.

Conteúdos de Filosofia - 3º Bimestre - 2010 - Ensino Médio

Os  textos abaixos foram produzidos pela Assessoria de Currículo da SEDUC-TO com o objetivo de subsidiar o trabalho dos professores de Filosofia do Ensino Médio da Rede Estadual de Ensino, por esse motivo foram aqui postados para facilitar o acesso dos mesmo por todos os professores das Unidades Escolares da DRE - Paraíso do Tocantins.

1º ANO – 3º BIMESTRE - EIXO: A moral

COMPETÊNCIAS:

  • Compreender e contextualizar conhecimentos filosóficos, no plano sociopolítico, histórico, metafísico e cultural.
  • Aplicar conhecimentos filosóficos no plano existencial, nos projetos de vida e nas relações sociais.
  • Agir em conformidade e criticidade em relação à moral social vigente
HABILIDADES:
  • Ler textos filosóficos de modo significativo;
  • Ampliar gradativamente o alcance da leitura filosófica;
  • Elaborar por escrito o que foi apropriado de modo reflexivo;
  • compreender as articulações, políticas, culturais, econômicas e artísticas, religiosas, que compõem o tecido social da modernidade à contemporaneidade;
  • Desenvolver na educando a pluralidade de visões de mundo, aplicáveis na cotidianidade e fundamentada em critérios epistemológicos;
  • Compreender que a realidade social não é o que é por um determinismo natural, mas por uma articulação de ordem humana.
CONTÚDOS MÍNIMOS:
  • O homem, um ser consciente.
  • Moral e ética.
  • O individual e o social na moral.
  • O relativismo moral.



SUGESTÕES
1- LIVROS



ARBEX, J. O poder da TV: como e por que a TV é xenófoba. São Paulo: Scipione, 1995.
_______,TOGNOLI,C.J. Mundo pós moderno. São Paulo: Scipione, 1997.

BROWN,Nearvin.Ética nos negócios. São Paulo: Makron Books,1993.

CHAUÌ,Marilena.Repressão sexual:essa nossa (dês)conhecida.São Paulo:Brasiliense,1991.

LADUSÂNS,Stanilavs. Questões atuais de bioética.São Paulo: Loyola, 1990.

MARTINEZ,P. Direitos de cidadania. São Paulo:Scipione, 1997.

NASH, Laura L. Ética nas empresas. São Paulo:Makron Books,1993.

NOVAES,Adauto. Ética. São Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal da Cultura,1992.

Da coleção PRIMEIROS PASSOS, da Editora Brasiliense (São Paulo):

• O que é moral – Otaviano Pereira, 1991.

• O que é ética – Álvaro Valls, 1986.

• O que é imoralidade – Raul Francisco Magalhães, 1991.

• O que é religião – Rubens Alves, 1992.

• O que é morte – José Luiz de Souza Maranhão, 1992.

SÁNCHEZ VÀSQUEZ, Adolf. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasilleira, 1970.

SÈRIES ETICAS, da Editora L&PM.Textos de filósofos, sociólogos, antropólogos, psicanalistas e escritores sobre questões éticas: A fidelidade, Cécile Wojsbrot, 1992. A polidez, Régine Dhoquois, 1993. A tolerância, Claude Sahel, 1993. A honra, Marie Gautheran, 1992.

CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual - essa nossa (des)conhecida. São Paulo, Brasiliense, 1991.

O que é imoralidade - Raul Francisco Magalhães, 1991 (249); O que é ética – Álvaro Valls, 1986 (177).

Vásquez AS. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000:61-82. (Capítulo III A essência da moral).

2- FILMES

Vídeo: TV Escola – Série “Filosofia: um guia para a Felicidade.”

Pixote, a lei do mais fraco – Hector Babenco

3- SITE

http://educacao.uol.com.br/filosofia

4- TEXTOS



O HOMEM, UM SER CONSCIENTE


O termo consciência é de uso freqüente na linguagem diária. Vejamos o que ele significa nas situações seguintes:

Paulo perdeu a consciência.

Paulo agiu de acordo com a consciência.

O que significa ‘’ Perder a consciência ‘’?

Perder a consciência é perder o sentimento da existência de nós mesmos e do mundo. Quando estamos despertos, esse sentimento acompanha todos os nossos atos. Trata-se da consciência psicológica, que é o conhecimento de nós mesmos: Temos consciência de existir, temos consciência de nossos estados psíquicos, de nossas lembranças e sentimentos. Temos também consciência de que há livros sobre a mesa, de que o dia está chuvoso ou ensolarado. Portanto, a consciência psicológica se estende a experiência do meio que vivemos. A consciência psicológica revela, pois, quem somos, o que fazemos e que mundo nos rodeia.

Na segunda situação (‘’ Agir de acordo com a sua consciência ‘’), trata-se da consciência moral, aquela voz interior que nos orienta, de maneira pessoal, sobre o que devemos fazer em determinada situação. Antes da ação, a consciência moral emite seu juízo como uma voz que aconselha ou proíbe. Após a realização da ação, a consciência moral se manifesta como um sentimento de satisfação (força recompensadora) ou arrependimento, remorso (força condenatória).

A consciência psicológica e a consciência moral estão relacionadas. Na realidade, se o problema moral se estabelece para o homem é porque, inicialmente, ele tem consciência psicológica. Se todos os seus atos fossem desencadeados pela pressão dos instintos os dos hábitos, se o homem não tivesse consciência do que faz, não existiria o problema moral. A consciência moral, portanto, pressupõe a consciência psicológica.

O animal não possui consciência psicológica, porque, para cada situação que se apresenta, encontra uma resposta pronta nos seus reflexos instintivos ou nos automatismos de adestramento. Sentindo fome, busca necessariamente alimento. Situação diferente ocorre com o homem. Se ele sente fome, pode não comer por outra motivação: jejum de protesto, regime, etc. Portanto, ser consciente significa não apenas ter o conhecimento de nós mesmos e compreender o que está ocorrendo ao nosso redor, mas também perceber que podemos agir de diversas maneiras, planejando o que irá acontecer.

Veja o seguinte exemplo: um atropelamento. De imediato, o motorista toma consciência da situação. Em seguida, pelo menos dois comportamentos são possíveis: socorrer a vítima ou fugir. Considerando as normas e valores recebidos da família, da escola, do meio social e econômico em que vive, o motorista toma a decisão que considera adequada, tornando-se responsável, moral e socialmente, pela atitude escolhida. Mas, na hipótese de um choque tão violente que faça o motorista desmaiar (perder a consciência), é certo que nenhum comportamento se seguirá de sua parte.

Para decidir, escolher, enfim para exercer sua liberdade, o homem precisa estar consciente. Não há, pois, liberdade sem consciência. Enquanto a consciência psicológica possibilita ao homem escolher, a consciência moral, com seus valores, normas e prescrições, orienta a escolha.

A partir do exemplo dado, destacamos três componentes fundamentais da vida moral:

Consciência - Liberdade – Responsabilidade

Considerando o que foi exposto, como fica a responsabilidade moral de um neurótico que mata num momento de crise aguda e de um cleptomaníaco que rouba por um impulso irresistível? Tais pessoas agem sob uma coação interna (tendências patológicas, doentias) a que não podem resistir. Tal coação anula a liberdade (possibilidade de escolha) da pessoa e a exime da respectiva responsabilidade moral.

Uma coação externa também pode anular a vontade da pessoa, eximindo-se de sua responsabilidade. Se alguém, de revólver na mão, força Paulo a escrever uma carta em que difama outra pessoa, pode ele ser considerado responsável pelo que escreveu? Em alguns casos, a coação é tão forte, acarretando riscos para a própria vida, que não resta margem para decidir e agir de acordo com a vontade própria, pois a resistência física e espiritual tem um limite, além do qual o sujeito perde o domínio sobre si mesmo.

MORAL E ÉTICA

Você já percebeu que os valores morais estão presentes em diversas esferas de nossa vida: o pai exige que o filho, respeitando seus valores, chegue em casa no horário estabelecido; a esposa reclama fidelidade do marido e vice-versa; em política, sabe-se que sem padrões de justiça não é possível administrar a sociedade; o desenvolvimento da ciência e da tecnologia demanda parâmetros éticos; a Constituição de um país contém valores morais que os cidadãos devem conhecer e transformar em realidade.

A importância do mundo moral evidencia-se pelo fato de que não existe vida social sem a presença de regras ou normas de conduta.

A moral é um conjunto de normas, prescrições e valores que regulamentam, o comportamento dos indivíduos na sociedade

Na conceituação de moral, falamos de normas e de comportamentos. Na moral, portanto, encontramos dois planos:

- O normativo, constituído pelas normas ou regras de ação que anunciam como as pessoas devem se comportar; exemplo:

não roubar;

- O fatual, constituído pelas ações efetivamente realizadas; exemplos: um roubo.

A ação realizada será moral ou imoral, conforme esteja de acordo ou não com a norma estabelecida. Assim, respeitar a propriedade alheia será considerada uma ação moral, uma vez que está de acordo com a norma não roubar.

No Brasil, os truques e sutilezas com o objetivo de levar vantagem sobre o outro, transgredindo as normas, entram na rotina de muita gente. O guarda dá um jeitinho de cancelar a multa, o fiscal dá outro jeitinho de não embargar a obra, e o tráfico de influências se alastra.

Na verdade, o “jeitinho” não deixa de ser uma prática de ações imorais. O desrespeito e até o desprezo à lei dá lugar ao oportunismo, à prepotência e ao imperativo do mais forte. O resultado disso é a desmoralização da idéia de justiça, um clima de desconfiança generalizada e um incentivo a comportamentos desonestos.

Explicado o conceito de moral, vamos ver o que significa ética. Ética, ou filosofia moral, é uma reflexão sistemática sobre o comportamento moral. Ela investiga, analisa e explica a moral de uma determinada sociedade. Compete à ética, por exemplo, o estudo da origem da moral, da distinção entre o comportamento moral e outras formas de agir, da liberdade e da responsabilidade e, ainda, de questões como a prática do aborto, da eutanásia e da pena de morte. A ética não diz o que deve e o que não deve ser feito em cada caso concreto. Isso é da competência da moral. A partir dos fatos morais, a ética tira conclusões, elaborando princípios sobre o comportamento moral.

A Ética é o estudo geral do que é bom ou mau, correto ou incorreto, justo ou injusto, adequado ou inadequado. Um dos objetivos da Ética é a busca de justificativas para as regras propostas pela Moral e pelo Direito. Esta reflexão sobre a ação humana é que caracteriza a Ética.

Recentemente, surgiu a bioética, que trata das questões éticas suscitadas pelas experiências das ciências biomédicas e da engenharia genética, tais como o transplante de órgãos, a fecundação artificial e a manipulação dos genes.

Quando usado na expressão “ética profissional”, o termo ética significa o conjunto de princípios a serem observados pelos indivíduos no exercício de sua profissão. É assim que se fala, por exemplo, da ética dos jornalistas, dos advogados, dos médicos, dos almoxarifado que verifica se não há umidade no local destinado para colocar caixas de alimentos; o médico cirurgião que confere as suturas nos tecidos internos antes de completar a cirurgia; a atendente do asilo que se preocupa com a limpeza de uma senhora idosa após ir ao banheiro; o contador que impede uma fraude ou desfalque, ou que não maquia o balanço de uma empresa; o engenheiro que utiliza o material mais indicado para a construção de uma ponte, todos estão agindo de forma eticamente correta em suas profissões.

Ao fazerem o que não é visto, ao fazerem aquilo que ninguém saberá quem fez, demonstra que estão preocupados, mais do que com os deveres profissionais, com as pessoas.

O INDIVIDUAL E O SOCIAL NA MORAL

A moral é tanto um conjunto de normas que determinam como deve ser o comportamento, quanto ações realizadas de acordo ou não com tais normas.

Desde a infância, a pessoa se encontra sujeita à influência do meio social por intermédio da família, da escola, dos amigos, dos meios de comunicação de massa. Assim, ela vai adquirindo, aos poucos, idéias morais. Portanto, ao nascer, o indivíduo se depara com um conjunto de normas já estabelecido e aceito pelo meio social. Esse é o aspecto social da moral. Ao nascer, o homem já se defronta com um conjunto de normas e valores aceitos em determinado meio social.

Mas a moral não se reduz ao aspecto social. À medida que o indivíduo desenvolve a reflexão crítica, os valores herdados passam a ser colocados em questão. Ele reflete sobre as normas e decide aceita-las ou negá-las. A decisão de acatar uma norma é fruto de uma reflexão pessoal consciente, que se chama interiorização Essa interiorização da norma é que qualifica o ato como moral. Faltando a interiorização, o ato não é considerado moral, é apenas um comportamento determinado pelos instintos, pelos hábitos ou pelos costumes.

Vejamos um exemplo de interiorização de normas:

Segundo o Código de trânsito, não devo buzinar diante de um hospital. Se respeito essa norma por convicção íntima, consciente

de que os doentes precisam de silêncio, é sinal de que interiorizei a norma, e o meu ato é qualificado como moral. Por outro lado, se respeito essa norma só para não ser multado, significa que ela não foi interiorizada e, assim, o meu ato escapa do campo da moral, reduzindo-se ao cumprimento de uma lei.


NORMAS MORAIS E NORMAS JURÍDICAS


Entre as normas criadas para orientar o comportamento do homem, visando uma maior coesão social, é preciso distinguir as normas ou princípios morais das normas jurídicas, estabelecidas pelo Direito:

-A coação moral é interna e advém da consciência. No Direito, a coação é externa e procede do Estado.

-A moral é anterior ao Direito, já que as sociedades, mesmo antes da formação do Estado, sempre sentiram necessidade de normas. O Direito caracteriza-se pela exterioridade, ou seja, não é preciso que se concorde interiormente com as normas, basta apenas que sejam cumpridas. Por exemplo, jovens são convocados para o serviço militar mesmo que disso discordem.

As normas morais, porém, são cumpridas por convicção íntima dos indivíduos. É nesse sentido que se fala em interioridade da vida moral.

Tanto as normas morais com as jurídicas podem sofrer desvios. Quando as normas instituídas pelo Estado, por exemplo, não correspondem aos interesses da sociedade, os indivíduos sentem-se oprimidos pelas leis. Por outro lado, quando os indivíduos negam as normas morais estabelecidas e criam a sua moral particular, caem no individualismo. Os individualistas não levam em consideração o bem comum da sociedade. Esquecem que o homem não é um ser solitário, mas que convive com os outros, e que tem não só direitos, mas também deveres.

O RELATIVISMO MORAL

A função da moral é garantir o funcionamento, a estabilidade da vida em sociedade e a possibilidade de melhorá-la. Ora, como as necessidades sociais variam no tempo e no espaço, as normas morais também sofrem mudança. Os antigos gregos, por exemplo, sacrificavam as crianças deficientes. Para eles, tal procedimento não era imoral, uma vez que os deficientes não correspondiam ao ideal de homem grego.

As normas morais variam também entre sociedades de uma mesma época e até de um mesmo país. É o caso de alguns estados norte-americanos onde ao contrário de outros, se admite a pena de morte. Enquanto em alguns países a mulher faz reivindicações de todo tipo, em outros as normas não permitem, ainda hoje, que ela mostre seu rosto em público. Explica-se o relativismo das normas em função das diferentes e especificas situações em que são praticadas. Em outras palavras, a moral se encarna no contexto histórico-social de cada povo, tomando uma forma específica.

O relativismo moral pode acarretar um descrédito de própria moral. Exemplifiquemos com a justiça. Como as normas de justiça. Como as normas de justiça variam de um lugar outro, alguns concluem que não existe justiça. Na realidade, o que varia são as formas de aplicação da justiça. A justiça em si, como um valor moral, é uma constante entre todos os povos. Além da justiça, outros valores morais são universalmente aceitos e praticados: a solidariedade, a fidelidade, a honestidade.


TEXTO BASE SOBRE O CONSUMISMO


“O consumidor tem necessidades que não são propriamente suas e os produtos que adquire não são realmente queridos por ele. Sob a influência de uma publicidade insistente e organizada, e, seduzido pelas refinadas e veladas técnicas de persuasão, o consumidor se defronta com um produto que lhe agrada e fascina e acaba por comprar aquilo que se impõe à sua vontade, independentemente de precisar ou não. Deste modo, as necessidades do homem concreto são manipuladas para que consuma não o que satisfaz as suas reais necessidades, mas as dos outros. Como na produção, também no consumo o homem real já não pertence a si mesmo, mas àqueles que o manipulam ou persuadem de um modo sutil.

Esta manipulação, que atinge a maior parte da população, ao controlar a sua aquisição dos produtos mais variados - desde os gêneros alimentícios até as obras de arte -, traduz-se nos indivíduos numa perda da sua capacidade de decisão pessoal e no aproveitamento da sua falta de decisão, ignorância ou fraqueza para fins alheios ou estranhos, que lhe são apresentados como se fossem seus. Assim o consumidor é considerado como uma fortaleza – mais ou menos firme – cuja resistência deve ser vencida sob a investida da publicidade e das técnicas de persuasão oculta. Exerce-se assim uma coação externa, que se interioriza como uma necessidade pessoal. Nessa sutil submissão, não declarada, do consumidor aos manipuladores de consciências, minam-se as condições indispensáveis para que o sujeito escolha e decida livre e conscientemente.

Desse modo, esta manipulação do consumidor é profundamente imoral, e por duas razões fundamentais: 1) Porque o homem, como consumidor, é rebaixado à condição de coisa ou objeto que se pode manipular, passando por cima de sua consciência e de sua vontade. 2) Porque, impedindo que escolha e decida livre e conscientemente, minam-se as próprias bases do ato moral e, deste modo, restringe-se o próprio domínio moral.” (SÁNCHEZ VÁSQUEZ, Adolfo. Op. Cit., 193-4)


A ÉTICA PÕE FIM AO VALE-TUDO

Algo novo está mudando no competitivo mundo dos negócios, transformando a filosofia de trabalho de empresas, anunciantes e universidades: a questão da ética. Os valores morais começam a pôr um ponto final nos critérios antiéticos que até pouco tempo determinam as regras de vale-tudo para levar vantagem. O Jornal Folha S. Paulo noticiou que anunciantes americanos que sempre escolheram programas de televisão levando em conta apenas a audiência e o preço agora põem, na balança também os valores morais transmitidos pela programação. A ética foi introduzida nos cursos da Universidade de Harvard que a vida toda foi o templo do "business pelo business".

Consumidores, fornecedores, trabalhadores, executivos e eleitores estão utilizando valores éticos e morais para escolher seus produtos, clientes, patrões, empresas e candidatos, não se deixando iludir por valores éticos de fechada.

Empresários, executivos e administradores reconhecem que as empresas devem considerar critérios morais para serem bem-sucedidas.

Portanto, nos dias atuais, o grande desafio é a conciliação de valores morais e condutas éticas com eficiência, competência e rentabilidade.

Resumo e adaptação do texto de Ricardo Guimarães (publicitário). Exame, São Paulo, 6 set. 1989. p. 126