- Aplicar conhecimentos filosóficos no plano existencial, nos projetos de vida e nas relações sociais.
- Conciliar de modo racional a dimensão da fé e da razão.
- Compreender de modo analítico a dimensão metafísica do ser humano.
HABILIDADES:
- Ler textos filosóficos de modo significativo;
- mpliar gradativamente o alcance da leitura filosófica;
- Elaborar por escrito o que foi apropriado de modo reflexivo;
- Compreender a espiritualidade sem a alienação dogmática.
CONTEÚDOS MÍNIMOS:
- A religiosidade
- O sagrado
- A religião
- Ritos
- Objetos simbólicos
- A vida após a morte
- O bem e o mal
- O pecado
- O conflito entre fé e razão
1- LIVROS:
ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Loyola, 2003. 126 p.
Da coleção PRIMEIROS PASSOS, da Editora Brasiliense (São Paulo):
• O que é religião – Rubens Alves, 1992.
• O que é morte – José Luiz de Souza Maranhão, 1992.
2- SITES:
http://www.infoescola.com/filosofia/fe-e-razao/
3- FILMES:
Cidadão Kane, 1941, Orson Welles.
Dúvida, 2008, Direção: John Patrick Shanley.
"Fanny e Alexander", de Ingmar Bergman.
Sonhos, 1941, direção de Akira Kurosawa.
4- TEXTOS:
COMPADRE DA MORTE
(João Monteiro)
Diz que era uma vez um homem que tinha tantos filhos que não achava mais quem fosse seu compadre. Nascendo mais um filhinho, saiu para procurar quem o apadrinhasse e depois de muito andar encontrou a Morte a quem convidou. A Morte aceitou e foi a madrinha da criança. Quando acabou o batizado voltaram para casa e a madrinha disse ao compadre:
- Compadre! Quero fazer um presente ao meu afilhado e penso que é melhor enriquecer o pai. Você vai ser médico de hoje em diante e nunca errará no que disser. Quando for visitar um doente me verá sempre. Se eu estiver na cabeceira do enfermo, receite até água pura que ele ficará bom. Se eu estiver nos pés, não faça nada porque é um caso perdido.
O homem assim fez. Botou aviso que era médico e ficou rico do dia para a noite porque não errava. Olhava o doente e ia logo dizendo:
- Este escapa!
Ou então:
- Tratem do caixão dele!
Quem ele tratava, ficava bom. O homem nadava em dinheiro.
Vai um dia adoeceu o filho do rei e este mandou buscar o médico, oferecendo uma riqueza pela vida do príncipe. O homem foi e viu a Morte sentada nos pés da cama. Como não queria perder a fama, resolveu enganar a comadre, e mandou que os criados virassem a cama, os pés passaram para a cabeceira e a cabeceira para os pés. A Morte, muito contrariada, foi-se embora, resmungando.
O médico estava em casa um dia quando apareceu sua comadre e o convidou para visitá-la.
- Eu vou, disse o médico - se você jurar que voltarei!
- Prometo! - disse a Morte.
Levou o homem num relâmpago até sua casa.
Tratou muito bem e mostrou a casa toda. O médico viu um salão cheio-cheio de velas acessas, de todos os tamanhos, uma já se apagando, outras viva, outras esmorecendo. Perguntou o que era:
É a vida do homem. Cada homem tem uma vela acessa. Quando a vela acaba, o homem morre.
O médico foi perguntando pela vida dos amigos e conhecidos e vendo o estado das vidas. Até que lhe palpitou perguntar pela sua. A Morte mostrou um cotoquinho no fim.
- Virgem Maria! Essa é que é a minha? Então eu estou, morre-não-morre!
A Morte disse:
- Está com horas de vida e por isso eu trouxe você para aqui como amigo, mas você me fez jurar que voltaria e eu vou levá-lo para você morrer em casa.
O médico quando deu acordo de si estava na sua cama rodeado pela família. Chamou a comadre e pediu:
- Comadre, me faça o último favor. Deixe eu rezar um Padre-Nosso. Não me leves antes. Jura?
- Juro -, prometeu a Morte.
O homem começou a rezar o Padre-Nosso que estás no céu... E calou-se. Vai a Morte e diz:
- Vamos, compadre, reze o resto da oração!
- Nem pense nisso, comadre! Você jurou que me dava tempo de rezar o Padre-Nosso mas eu não expliquei quanto tempo vai durar minha reza. Vai durar anos e anos...
A Morte foi-se embora, zangada pela sabedoria do compadre.
Anos e anos depois, o médico, velhinho e engelhado, ia passeando nas suas grandes propriedades quando reparou que os animais tinham furado a cerca e estragado o jardim, cheio de flores. O homem, bem contrariado disse:
- Só queria morrer para não ver uma miséria destas!...
Não fechou a boca e a Morte bateu em cima, carregando-o. A gente pode enganar a Morte duas vezes mas na terceira é enganado por ela.
RAZÃO
A faculdade de raciocinar, compreender, ponderar, ajuizar, etc. Os filósofos dividem-se quanto à confiança que depositam na razão. Os mais cépticos duvidam dos seus produtos; alguns, como Hume, confiam mais nas emoções e sentimentos. Outros, como Descartes ou Kant, confiam mais no poder da razão para descobrir verdades importantes. A racionalidade instrumental permite, perante fins dados, determinar os melhores meios para os atingir; por exemplo, quando tenho sede e sei que há água na cozinha, um meio de matar a sede é ir à cozinha. A racionalidade não instrumental, negada por filósofos como Hume, permite determinar os próprios fins.
FÉ
Crença na existência de um Deus ou deuses. Em contextos não religiosos, a palavra refere-se unicamente a uma crença muito forte; por exemplo, quando dizemos que temos fé na recuperação de uma doença.
Dicionário Escolar de Filosofia, org. Aires Almeida (Lisboa: Plátano Editora)
O SAGRADO
O sagrado é uma experiência da presença de uma potência ou de uma força sobrenatural que habita algum ser – planta, animal, humano, coisas, ventos, água, fogo. Essa potência é tanto um poder que pertence própria e definitivamente a um determinado ser, quanto algo que ele pode possuir e perder, não ter e adquirir. O sagrado é a experiência simbólica da diferença entre os seres, da superioridade de alguns sobre outros, do poderio de alguns sobre outros, superioridade e poder sentidos como espantosos, misteriosos, desejados e temidos.
A sacralidade introduz uma ruptura entre natural e sobrenatural, mesmo que os seres sagrados sejam naturais (como a água, o fogo, o vulcão): é sobrenatural a força ou potência para realizar aquilo que os humanos julgam impossível efetuar contando apenas com as forças e capacidades humanas. Assim, por exemplo, em quase todas as culturas, um guerreiro, cuja força, destreza e invencibilidade são espantosas, é considerado habitado por uma potência sagrada. Um animal feroz, astuto, veloz e invencível também é assim considerado. Por sua forma e ação misteriosas, benévolas e malévolas, o fogo é um dos principais entes sagrados. Em regiões desérticas, a sacralização concentra-se nas águas, raras e necessárias.
O sagrado opera o encantamento do mundo, habitado por forças maravilhosas e poderes admiráveis que agem magicamente. Criam vínculos de simpatia-atração e de antipatia-repulsão entre todos os seres, agem à distância, enlaçam entes diferentes com laços secretos e eficazes.
Todas as culturas possuem vocábulos para exprimir o sagrado como força sobrenatural que habita o mundo. Assim, nas culturas da Polinésia e da Melanésia, a palavra que designa o sagrado é mana (e suas variantes). Nas culturas das tribos norte-americanas, fala-se em orenda (e suas variantes), referindo-se ao poder mágico possuído por todas as coisas, dando-lhes vida, vontade e ação, força que se pode roubar de outras coisas para si, que se pode perder quando roubada por outros seres, que se pode impor a outros mais fracos.
Entre as culturas dos índios sul-americanos, o sagrado é designado por palavras como tunpa e aigres. Nas africanas, há centenas de termos, dependendo da língua e da relação mantida com o sobrenatural, mas o termo fundamental, embora com variantes de pronúncia, é ntu, “força universal em que coincidem aquilo que é e aquilo que existe”.
Na cultura hebraica, dois termos designavam o sagrado: qados e herem, significando aqueles seres ou coisas que são separados por Deus para seu culto, serviço, sacrifício, punição, não podendo ser tocados pelo homem. Assim a Arca da Aliança, onde estavam guardados os textos sagrados, era qados e, portanto, intocável. Também os prisioneiros de uma guerra santa pertenciam a Deus, sendo declarados herem. Na cultura grega, agnos (puro) e agios (intocável), e na romana, sacer (dedicado à divindade) e sanctus (inviolável) constituem a esfera do sagrado.
Sagrado é, pois, a qualidade excepcional – boa ou má, benéfica ou maléfica, protetora ou ameaçadora – que um ser possui e que o separa e distingue de todos os outros, embora, em muitas culturas, todos os seres possuam algo sagrado, pelo que se diferenciam uns dos outros.
O sagrado pode suscitar devoção e amor, repulsa e ódio. Esses sentimentos suscitam um outro: o respeito feito de temor. Nasce, aqui, o sentimento religioso e a experiência da religião.
A religião pressupõe que, além do sentimento da diferença entre natural e sobrenatural, haja o sentimento da separação entre os humanos e o sagrado, mesmo que este habite os humanos e a Natureza.
CHAUI, Marilena. Filosofia: Ensino Médio, volume único: Livro para análise do professor: Ática, 2005. Série Brasil. Unidade 5.
A RELIGIÃO
A palavra religião vem do latim: religio, formada pelo prefixo re (outra vez, de novo) e o verbo ligare (ligar, unir, vincular). A religião é um vínculo. Quais as partes vinculadas? O mundo profano e o mundo sagrado, isto é, a Natureza (água, fogo, ar, animais, plantas, astros, metais, terra, humanos) e as divindades que habitam a Natureza ou um lugar separado da Natureza.
Nas várias culturas, essa ligação é simbolizada no momento de fundação de uma aldeia, vila ou cidade: o guia religioso traça figuras no chão (círculo, quadrado, triângulo) e repete o mesmo gesto no ar (na direção do céu, ou do mar, ou da floresta, ou do deserto). Esses dois gestos delimitam um espaço novo, sagrado (no ar) e consagrado (no solo). Nesse novo espaço ergue-se o santuário (em latim, templum, templo) e à sua volta os edifícios da nova comunidade.
Essa mesma cerimônia da ligação fundadora aparece na religião judaica, quando Jeová indica ao povo o lugar onde deve habitar – a Terra Prometida – e o espaço onde o templo deverá ser edificado, para nele ser colocada a Arca da Aliança, símbolo do vínculo que une o povo e seu Deus, recordando a primeira ligação: o arco-íris, anunciado por Deus a Noé como prova de seu laço com ele e sua descendência.
Também no cristianismo a religio é explicitada por um gesto de união. No Novo Testamento, Jesus disse a Pedro: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as Chaves do Reino: o que ligares na Terra será ligado no Céu; o que desligares na Terra será desligado no Céu”.
Através da sacralização e consagração, a religião cria a idéia de espaço sagrado. Os céus, o monte Olimpo (na Grécia), as montanhas do deserto (em Israel), templos e igrejas são santuários ou moradas dos deuses. O espaço da vida comum separa-se do espaço sagrado: neste, vivem os deuses, são feitas as cerimônias de culto, são trazidas oferendas e feitas preces com pedidos às divindades (colheita, paz, vitória na guerra, bom parto, fim de uma peste); no primeiro transcorre a vida profana dos humanos. A religião organiza o espaço e lhe dá qualidades culturais, diversas das simples qualidades naturais.
CHAUI, Marilena. Filosofia: Ensino Médio, volume único: Livro para análise do professor: Ática, 2005. Série Brasil. Unidade 5.
O QUE É A RELIGIÃO?
“Não é fácil encontrar uma definição precisa, aceite universalmente de religião. Isto deve se às grandes diferenças entre as tradições que comummente são categorizadas como religiões. Nos nossos dias, muitos filósofos da religião […] em vez de avançarem logo como uma definição restrita sobre o que consiste uma religião, preferem as vantagens em demarcar o que se entende por “religião” simplesmente apelando para muitos exemplos que a maioria das pessoas reconhece como sendo religiosos. […] Deste modo, uma caracterização habitual é a seguinte: Religiões incluem o Judaísmo, o Cristianismo, o Islão, o Hinduísmo e o Budismo e as tradições que se assemelham a uma ou a mais do que a uma [destas grandes tradições]. Através desta definição, Confucionismo, Daoísmo, Bahaísmo, Sikhismo, Zoroastrismo, espiritualidade aborígene e muitas outras tradições são facilmente vistas como religiosas. Esta caracterização da religião pode ser designada como uma definição por exemplo, embora em termos mais técnicos possa ser referida como uma definição por casos paradigmáticos. […] É bom ter consciência das suas limitações [desta definição]. […] Pois esta definição por exemplo não aprofunda o que faz estas tradições serem religiões. O mesmo problema aconteceria se alguém definisse “religião” em termos da sua raiz latina. O termo religio significa “ligar”e ao sobressair se isso visa se sublinhar a noção de que a religião unifica as pessoas ou delimita a identidade de cada pessoa. Mas não nos dá mais nada. Presumivelmente, nem tudo o que unifica as pessoas ou que define a identidade de uma pessoa é religioso. […]
Eis três propostas de definição da religião e algumas das suas dificuldades.
“Religião” pode ser definida em termos de crença ou de veneração de Deus ou deuses. Mas tal definição tem a consequência indesejável de classificar versões ateias do Budismo como não religiosas.
Alternativamente, “religião” pode ser definida em termos de reverência ou de temor, a um tal ponto que ser religioso é ter reverência e temor perante algo que se acredita ser sagrado. Mas isto interditaria a consideração de religiosos todos aqueles membros do mundo religioso que tratam a sua relação com o sagrado segundo o interesse próprio, mais do que em termos de temor ou reverência. Algumas religiões primitivas são descritas como não possuindo o temor e a reverência que caracterizam tipicamente a “veneração” e que poderiam ser também excluídos por este tipo de definição. Teríamos também de classificar como religiosos estes grupos que tratam a natureza, a sua nação, ou ainda os seus egos como sagrados e merecedores de temor e reverência. […]
Na obra Reason and Religious Belief: An Introductionto the Philosophy of Religion, é nos proposta como definição de trabalho o seguinte: “A Religião é constituída por um conjunto de crenças, acções e emoções, ambas pessoais ou colectivas, organizadas em torno do conceito de uma Realidade Última” (Petterson et al., 1991, p.4). Esta definição parece ser satisfeita pelas formas tradicionais das cinco religiões mundiais esboçadas em cima, mas se é apresentada como uma condição suficiente sobre o que é a “religião”, torna se arriscado. Por exemplo, pode se argumentar que também a grande maioria da comunidade científica possui um conjunto de crenças, acções e emoções – sejam estas o amor da descoberta, da verdade e da investigação, o desejo de fazer certas predições, assim como outras ¬ - centradas em volta do conceito de uma realidade última (o cosmos). Mas só por isso seria um exagero considerar a comunidade científica como uma religião. Poder se ia tentar evitar classificar a comunidade científica como uma religião precisando o conceito de “Realidade Última” de modo a que se referisse a algo para lá do mundo físico. Os cientistas centrar se-iam no mundo físico, enquanto os crentes religiosos no que é não físico. Contudo, isto teria a consequência indesejada de excluir muitas versões de politeísmo, o Mormonismo (o nome popular para o movimento cristão do século dezanove, a “igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias Santos”) e outras religiões que constroem o divino em termos físicos.”
CHARLES,Taliaferro, Contemporary Philosophy of Religion, Oxford/Malden, Oxford University Press, 1998, pp.21-23.
RITOS
Porque a religião liga humanos e divindade, porque organiza o espaço e o tempo, os seres humanos precisam garantir que a ligação e a organização se mantenham e sejam sempre propícias. Para isso são criados os ritos.
O rito é uma cerimônia em que gestos determinados, palavras determinadas, objetos determinados, pessoas determinadas e emoções determinadas adquirem o poder misterioso de presentificar o laço entre os humanos e a divindade. Para agradecer dons e benefícios, para suplicar novos dons e benefícios, para lembrar a bondade dos deuses ou para exorcizar sua cólera, caso os humanos tenham transgredido as leis sagradas, as cerimônias ritualísticas são de grande variedade.
No entanto, uma vez fixada a simbologia de um ritual, sua eficácia dependerá da repetição minuciosa e perfeita do rito, tal como foi praticado na primeira vez, porque nela os próprios deuses orientaram gestos e palavras dos humanos. Um rito religioso é repetitivo em dois sentidos principais: a cerimônia deve repetir um acontecimento essencial da história sagrada (por exemplo, no cristianismo, a eucaristia ou a comunhão, que repete a Santa Ceia); e, em segundo lugar, atos, gestos, palavras, objetos devem ser sempre os mesmos, porque foram, na primeira vez, consagrados pelo próprio deus. O rito é a rememoração perene do que aconteceu numa primeira vez e que volta a acontecer, graças ao ritual que abole a distância entre o passado e o presente.
CHAUI, Marilena. Filosofia: Ensino Médio, volume único: Livro para análise do professor: Ática, 2005. Série Brasil. Unidade 5.
OS OBJETOS SIMBÓLICOS
A religião não sacraliza apenas o espaço e o tempo, mas também seres e objetos do mundo, que se tornam símbolos de algum fato religioso.
Os seres e objetos simbólicos são retirados de seu lugar costumeiro, assumindo um sentido novo para toda a comunidade – protetor, perseguidor, benfeitor, ameaçador. Sobre esse ser ou objeto recai a noção de tabu (palavra polinésia que significa intocável): é um interdito, ou seja, não pode ser tocado nem manipulado por ninguém que não esteja religiosamente autorizado para isso.
É assim, por exemplo, que certos animais se tornam sagrados ou tabus, como a vaca na Índia, o cordeiro perfeito consagrado para o sacrifício da páscoa judaica, o tucano para a nação tucana, do Brasil. É assim, por exemplo, que certos objetos se tornam sagrados ou tabus, como o pão e o vinho consagrados pelo padre cristão, durante o ritual da missa. Do mesmo modo, em inúmeras religiões, as virgens primogênitas das principais famílias se tornam tabus, como as vestais, na Roma antiga. Também objetos se tornam símbolos sagrados intocáveis, como os pergaminhos judaicos contendo os textos sagrados antigos, certas pedras usadas pelos chefes religiosos africanos, etc.
Os tabus se referem ou a objetos e seres puros ou purificados para os deuses, ou a objetos e seres impuros, que devem permanecer afastados dos deuses e dos humanos. É assim que, em inúmeras culturas, a mulher menstruada é tabu (está impura) e, no judaísmo e no islamismo, a carne de porco é tabu (é impura).
A religião tende a ampliar o campo simbólico, mesmo que não transforme todos os seres e objetos em tabus ou intocáveis. Ela o faz, vinculando seres e qualidades à personalidade de um deus. Assim, por exemplo, em muitas religiões, como as africanas, cada divindade é protetora de um astro, uma cor, um animal, uma pedra e um metal preciosos, um objeto santo.
A figuração do sagrado se faz por emblemas: assim, por exemplo, o emblema da deusa Fortuna era uma roda, uma vela enfunada e uma cornucópia; o da deusa Atena, o capacete e a espada; o de Hermes, a serpente e as botas aladas; o de Oxossi, as sete flechas espalhadas pelo corpo; o de Iemanjá, o vestido branco, as águas do mar e os cabelos ao vento; o de Jesus, a cruz, a coroa de espinhos, o corpo glorioso em ascensão.
CHAUI, Marilena. Filosofia: Ensino Médio, volume único: Livro para análise do professor: Ática, 2005. Série Brasil. Unidade 5.
A VIDA APÓS A MORTE
Toda religião explica não só a origem da ordem do mundo natural, mas também do mundo humano. No caso dos humanos, a religião precisa explicar por que são mortais. O mistério da morte é sempre explicado como expiação de uma culpa original, cometida contra os deuses. No princípio, os homens eram imortais e viviam na companhia dos deuses; a seguir, uma transgressão imperdoável tem lugar e, com ela, a grande punição: a mortalidade.
No entanto, a imortalidade não está totalmente perdida. Algumas religiões afirmam que o corpo humano possui um duplo, feito de outra matéria, que permanecerá após a morte, usando outros seres para relacionar-se com os vivos. Certas religiões acreditam que o corpo é habitado por uma entidade – espírito, alma, sombra imaterial, sopro -, que será imortal se os decretos divinos e os rituais tiverem sido respeitados pelo fiel. Por acreditarem firmemente numa outra vida – que pode ser imediata, após a morte do corpo, ou pode exigir reencarnações purificadoras até alçar-se à imortalidade -, as religiões possuem ritos funerários, encarregados de preparar e garantir a entrada do morto na outra vida.
Em algumas religiões, como na egípcia e na grega, a perfeita preservação do corpo morto, isto é, de sua imagem, era essencial para que fosse reconhecido pelos deuses no reino dos mortos e recebesse a imortalidade. Por isso, além dos ritos funerários, os cemitérios, na maioria das religiões e particularmente nas africanas, indígenas e antigas ocidentais, eram lugares sagrados, campos santos, nos quais somente alguns, e sob certas condições, podiam penetrar.
Nas religiões do encantamento, como a grega, as africanas e as indígenas, a morte é concebida de diversas maneiras, mas em todas elas o morto fica encantado, isto é, torna-se algo mágico. Numa delas, o morto deixa seu corpo para entrar num outro e permanecer no mundo, sob formas variadas; ou deixa seu corpo e seu espírito permanecer no mundo, agitando os ventos, as águas, o fogo, ensinando canto aos pássaros, protegendo as crianças, ensinando os mais velhos, escondendo e achando coisas. Na outra, o morto tem sua imagem ou seu espírito levado ao mundo divino, ali desfrutando das delícias de uma vida perenemente perfeita e bela; se, porém, suas faltas terrenas forem tantas e tais que não pôde ser perdoado, sua imagem ou espírito vagará eternamente pelas trevas, sem repouso e sem descanso.
O mesmo lhe acontecerá se os rituais fúnebres não puderem ser realizados ou se tiverem sido realizados com falhas. Esse perambular pelas trevas não existe nas religiões de reencarnação, porque, em lugar dessa punição, o espírito deverá ter tantas vidas e sob tantas formas quantas necessárias à sua purificação, até que possa participar da felicidade perene.
Nas religiões da salvação, como é o caso do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, a felicidade perene não é apenas individual, mas também coletiva. São religiões em que a divindade promete perdoar a falta originária, enviando um salvador, que, sacrificando-se pelos humanos, garante-lhes a imortalidade e a reconciliação com Deus.
Como a falta ou queda originária atingiu a todos os humanos, o perdão divino e a redenção decorrem de uma decisão divina, que deverá atingir a todos os humanos, se acreditarem e respeitarem a lei divina escrita nos textos sagrados e se guardarem a esperança na promessa de salvação que lhes foi feita por Deus. Nesse tipo de religião, a obra de salvação é realizada por um enviado de Deus – messias, em hebraico; cristo, em grego. As religiões da salvação são messiânicas e coletivas. Um povo – povo de Deus – será salvo pela lei e pelo enviado divino.
CHAUI, Marilena. Filosofia: Ensino Médio, volume único: Livro para análise do professor: Ática, 2005. Série Brasil. Unidade 5.
O BEM E O MAL
As religiões ordenam a realidade segundo dois princípios fundamentais: o bem e o mal (ou a luz e a treva, o puro e o impuro).
Sob esse aspecto, há três tipos de religiões: as politeístas, em que há inúmeros deuses, alguns bons, outros maus, ou até mesmo cada deus podendo ser ora bom, ora mau; as dualistas, nas quais a dualidade do bem e do mal está encarnada e figurada em duas divindades antagônicas que não cessam de combater-se; e as monoteístas, em que o mesmo deus é tanto bom quanto mau, ou, como no caso do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, a divindade é o bem e o mal provém de entidades demoníacas, inferiores à divindade e em luta contra ela.
No caso do politeísmo e do dualismo, a divisão bem-mal não é problemática, assim como não o é nas religiões monoteístas que não exigem da divindade comportamentos sempre bons, uniformes e homogêneos, pois a ação do deus é insondável e incompreensível. O problema, porém, existe no monoteísmo judaico-cristão e islâmico.
Com efeito, a divindade judaico-cristã e islâmica é definida teologicamente como um ser positivo ou afirmativo: Deus é bom, justo, misericordioso, clemente, criador único de todas as coisas, onipotente e onisciente, mas, sobretudo, eterno e infinito. Deus é o ser perfeito por excelência, é o próprio bem e este é eterno como Ele. Se o bem é eterno e infinito, como surgiu sua negação, o mal? Que positividade poderia ter o mal, se, no princípio, havia somente Deus, eterna e infinitamente bom? Admitir um princípio eterno e infinito para o mal seria admitir dois deuses, incorrendo no primeiro e mais grave dos pecados, pois tanto os Dez Mandamentos quanto o Credo cristão afirmam haver um só e único Deus.
Além disso, Deus criou todas as coisas do nada; tudo o que existe é, portanto, obra de Deus. Se o mal existe, seria obra de Deus? Porém, Deus sendo o próprio bem, poderia criar o mal? Como o perfeito criaria o imperfeito? Qual é, pois, a origem do mal? A criatura.
Deus criou inteligências imateriais perfeitas, os anjos. Dentre eles, surgem alguns que aspiram a ter o mesmo poder e o mesmo saber que a divindade, lutando contra ela. Menos poderosos e menos sábios, são vencidos e expulsos da presença divina. Não reconhecem, porém, a derrota. Formam um reino separado, de caos e trevas, prosseguem na luta contra o Criador. Que vitória maior teriam senão corromper a mais alta das criaturas após os anjos, isto é, o homem? Valendo-se da liberdade dada ao homem, os anjos do mal corrompem a criatura humana e, com esta, o mal entra no mundo.
O mal é o pecado, isto é, a transgressão da lei divina que o primeiro homem e a primeira mulher praticaram. Sua punição foi o surgimento dos outros males: morte, doença, dor, fome, sede, frio, tristeza, ódio, ambição, luxúria, gula, preguiça, avareza. Pelo mal, a criatura afasta-se de Deus, perde a presença divina e a bondade original que possuía.
O mal, portanto, não é uma força positiva de mesma realidade que o bem, mas é pura ausência do bem, pura privação do bem, negatividade, fraqueza. Assim como a treva não é algo positivo, mas simples ausência da luz, assim também o mal é pura ausência do bem. Há um só Deus e o mal é estar longe e privado dele, pois Ele é o bem e o único bem.
CHAUI, Marilena. Filosofia: Ensino Médio, volume único: Livro para análise do professor: Ática, 2005. Série Brasil. Unidade 5.
O PECADO
Há religiões da exterioridade e da interioridade. As religiões da exterioridade são aquelas em que os deuses possuem forma visível (humana, aniaml, vegetal ou mineral) e se
Nas religiões da exterioridade o pecado é uma ação externa visível cometida voluntaria ou involuntariamente contra a divindade ou pela violação de suas leis (budista, hindu, chinês, gregos, celtas etc). Nessas religiões devem ser feitos rituais para se redimir da falta cometida.
Nas religiões de interioridade, a intenção de cometer a falta já é um pecado. Nessas religiões não bastam os rituais, o pecador deve se arrepender do pecado cometido.
Segundo a Bíblia, a causa dos pecados encontra-se de uma maneira definitiva no pecado de Adão e Eva, com as suas conseqüências, transmitidas à posteridade. A este fato se chama a Queda. Basta dizer-se aqui, que, por mais baixo que estivesse o primeiro homem na escala da humanidade, se ele era homem devia ter tido, na verdade, algum conhecimento rudimentar do bem e do mal, e depois da sua primeira voluntária desobediência ao que lhe dizia a consciência, devia ter ficado numa situação moral inferior à dos tempos passados. A primeira transgressão feita com conhecimento do mal não pôde deixar de ser uma queda mora, por maior que fosse a sua sabedoria adquirida no caminho da vida. Além disso, há razão para acreditar que as crianças, nascidas após a queda, haviam certamente de participar da natureza dos seus pais, a ponto de ficarem mais fracas com respeito à moralidade do que não tendo os seus pais transgredido.
CHAUI, Marilena. Filosofia: Ensino Médio, volume único: Livro para análise do professor: Ática, 2005. Série Brasil. Unidade 5.
O CONFLITO ENTRE FÉ E RAZÃO
Ao provocar a ruptura entre logos e mythos, a cultura ocidental gerou um acontecimento desconhecido em outras culturas: o conflito entre a fé e a razão. Pois para a alma religiosa, há um Deus; já para a razão, é preciso provar a existência da divindade. Para o religioso Deus é um ser prefeito, bom e misericordioso, no entanto justo, punindo os maus e recompensando os bons. Para a razão, Deus é uma substância infinita, mas é preciso provar que sua essência é constituída por um intelecto onisciente e uma vontade onipotente.
A espiritualidade divina para o crente, não é incompatível com a presença de poder ver Deus atuar materialmente sobre o mundo, realizando milagres. Já para a razão, é preciso provar racionalmente que é possível uma ação do espírito sobre a matéria e por que, sendo Deus onisciente, realizando milagres suspenderia a ordenação necessária do mundo que Ele próprio estabeleceu.
A peculiaridade racional da cultura ocidental afetou a própria religião. Para competir com a razão e suplantá-la, a religião precisou oferecer-se na forma de provas racionais, teses, conceitos, teorias. Tornou-se teologia, ciência sobre Deus. Transformou os textos da história sagrada em doutrina, coisa que nenhuma outra religião fez. Apesar de todas as transformações que a religião passou, há coisas que jamais serão comprovadas racionalmente, o que irá gerar questionamento sempre.
A Filosofia e a ciência acusam a religião de dogmatismo, atraso, superstição e intolerância, enquanto a religião acusa a razão e a ciência de ateísmo e heresia.
(Eliene Percília / Equipe Brasil Escola)
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